terça-feira, 10 de novembro de 2015

Lições de cinco quartéis de república



Estamos vivendo um momento de dificuldade econômica. Nós, deputados, sabemos o quão sofrido é esse momento ao retornarmos às nossas bases. Vendo os filhos de nossos eleitores sem emprego e seus pais sem sobras salariais para poder acalentá-los. O momento singular que estamos vivendo exige uma reflexão. Onde o governo do PT errou?

Creio que a história de erros da nossa república pode nos ajudar a remontar o momento pelo qual passamos. No nosso passado assistimos a um experimento de excesso monetário e expansão de crédito exacerbada sem lastro adequado, criando uma bolha inflacionária que demorou mais de uma década para ser estabilizada. O estouro da bolha foi o inicio do fim da República da Espada. O governo atual repetiu esse erro, baixando juros artificialmente e elevando o crédito das instituições oficiais de forma muito mais acelerada que a trajetória do crédito privado. Vejam os resultados: os juros já tiveram que ser corrigidos – e praticamente dobraram, subindo, a Selic, de 7,12% ao ano em janeiro de 2013 para 14,15% a.a. na última reunião do COPOM, em setembro - e o balanço do BNDES terá que se retrair.

No final dos anos 20, tivemos uma profunda crise mundial com consequências terríveis para os preços da principal commodity que produzíamos: o café. Qual política pública nós tínhamos construído à época para nos proteger da flutuação de preços? A compra de estoques in natura para preservação de um preço mínimo. Política paliativa para excessos de oferta momentâneos, mas não para queda radical de demanda. Tal queda de preços levou a  uma escassez profunda de moeda estrangeira no país com consequentes aumentos de preços e um empobrecimento geral da população. Esse momento marca o fim da República Velha e trata-se da segunda experiência brasileira no século XX de empobrecimento da população pela virada do ciclo das commodities. No norte do país, o ciclo da borracha havia encerrado pouco mais de uma década antes, reduzindo o poder de compra da população local a um quinto do que vigorava no seu auge.

O governo do PT repetiu o erro de não poupar no auge do ciclo das commodities, acreditando que aqueles preços vigorariam para sempre, prolongando o momento de bonança artificialmente, ao que tudo indica, com objetivos eleitoreiros. Enquanto isso, outros países mais frugais, como o Chile, aprenderam com a História, formando robustos fundos de estabilização para serem utilizados nos anos de vacas magras. Poupar para os anos difíceis é bíblico. José contribuiu para que o Egito se mantivesse uma grande civilização poupando grãos nos silos. O governo Dilma-Lula não quis ou não soube aprender com a história das crises no Brasil, com isso é a população brasileira que precisa ajustar seu consumo de forma muito mais abrupta do que o necessário, um processo que penaliza, em especial, a chamada Nova Classe C, parcela da população que recém havia ascendido a outro patamar de consumo.

O terceiro erro que repetimos foi ter uma política “pró-negócios” e não “pró-mercados”. Durante o governo militar tivemos um aprofundamento do nosso capitalismo de compadrio, ou como os americanos chamam crony capitalism. Esse sistema implica beneficiar a classe empresarial próxima ao governo com empréstimos subsidiados e protecionismo. O resultado é a má alocação do capital, levando a uma base industrial pouco competitiva, com baixo crescimento da produtividade do capital e as óbvias consequências negativas para o crescimento econômico. Como meus compatriotas se lembram, antes da abertura comercial no inicio dos anos 90 nós dirigíamos carroças. Hoje temos um parque industrial do setor automotivo com capacidade instalada de cinco milhões de carros por ano, enquanto o mercado consumidor brasileiro só tem capacidade para  absorver metade disso. O que podemos fazer com o restante da produção se não somos competitivos, se nossos carros são piores e mais caros do que os produzidos no exterior e mesmo entre nossos vizinhos? O que levou empresários a “errar o cálculo” e fazer tão altos investimentos em um cenário de baixa competitividade?  A responsabilidade recai sobre a política industrial vertical profunda repetida pelo governo que aí está. Eis a “política dos campeões nacionais”.
O quarto erro no qual reincidimos foi a manutenção de uma política fiscal frouxa, como no inicio do Plano Real, quando tivemos que pagar caríssimo para ter uma âncora cambial capaz de estabilizar a inflação. Esta âncora acabou não se sustentando com a maxidesvalorização de 1999, momento em que o Brasil finalmente abraçou a responsabilidade fiscal.

Em suma, de uma tacada, o governo atual de Dilma e Lula aplicou à economia nacional quatro erros graves que já nos levaram à ruína múltiplas vezes na história. 1. Política monetária irreal e afrouxamento excessivo do crédito no encilhamento; 2. Não provisão para os dias chuvosos como na década de 1920; 3. Política de privilégio aos “amigos do rei” com benesses em troca de uma industrialização dirigista, conforme o modelo dos militares; 4. Política fiscal insustentável como na primeira fase do Plano Real.


Enquanto no tabuleiro político o eclipse dos governos do PT é tratado por alguns como um momento de reflexão capaz de significar no futuro um divisor de águas na transparência dos processos políticos e no amadurecimento de nossa democracia, penso que também na economia podemos discutir como queremos construir o Brasil daqui para frente. Existem muitos caminhos, mas é hora de nossa república aprender com a sua história e rechaçar planos oportunistas que ofereçam algum desses quatro caminhos como solução, em especial, é hora de rechaçar um governo que promova as quatro propostas simultaneamente.

Cristiane Brasil
Presidente Nacional do PTB