domingo, 13 de dezembro de 2009

Favelização, Inquilinato e o Capital

Por Igor Barenboim*

O processo de favelização do espaço urbano brasileiro se intensificou nos últimos 30 anos. No cerne desse processo há dois principais determinantes: (i) A falta de capital decorrente da crise de liquidez brasileira pós segundo choque do petróleo em 1979, que teve conseqüências negativas prolongadas para o ambiente macroeconômico. (ii) Ausência de arcabouço jurídico adequado à garantia do direito de propriedade com respeito ao inquilinato. Esse artigo visa aprofundar o entendimento sobre a favelização, para corroborar com a iniciativa do Senado da primeira semana de novembro, quando mudanças na lei do inquilinato foram aprovadas com o intuito de que, nessa era de capital mais farto que vive hoje o Brasil, seja criado o ambiente jurídico necessário para que o crescimento de moradias sem serviços públicos básicos e às margens do ambiente regulatório seja contido e, em boa medida, revertido.

A simples existência de favelas com habitantes que possuem emprego, renda e poder de compra caracteriza uma falha no mercado de habitação. Afinal a moradia precária sem serviços básicos é a própria evidência de déficit habitacional. Mas se há demanda, por que razão a oferta não está presente?

A ausência de oferta adequada de moradias se deu, primeiramente, porque o ambiente macroeconômico instável não era propício a este tipo de investimento, em especial, no último quartel do século XX, no Brasil. Trocando em miúdos, a aposta do governo brasileiro em manter o crescimento acelerado nos anos 70 após o primeiro choque do petróleo teve como contrapartida o aumento exacerbado da dívida do país em taxa flutuante, que se tornou praticamente impagável quando as taxas de juros internacionais subiram na década de 80, especialmente porque o segundo choque do petróleo tornou as altas taxas de crescimento brasileiro insustentáveis. Devido à necessidade de gerar divisas para pagar os louros da última metade dos anos 70, o país entrou em uma espécie de liquidação, com a depreciação do câmbio, seguida de uma espiral inflacionária. A conjuntura econômica criou clima para um novo regime político que só veio a se consolidar na década atual, com prejuízos para a previsibilidade de políticas públicas e conseqüentemente do direito a propriedade neste ínterim.

Enfim, ninguém se aventurava a prever o que seria do Brasil nos próximos 5, 10 anos, nem o nome da moeda nacional, nem o quanto ela valeria e, tampouco, se haveria algum tipo de confisco de propriedade e se contratos firmados seriam respeitados. Por que, então, interessaria aos brasileiros e estrangeiros amarrar o seu dinheiro a essa terra de destino tão incerto através de colunas e vigas de concreto?

Somado a isso, quando imóveis disponíveis eram alugados, havia incerteza quanto à possibilidade de retomada destes próprios em caso de inadimplemento do inquilino. Na verdade, a retomada de imóveis levava em média quase três anos, prazo que só começou a cair com a aprovação, nessa década, do novo código civil, que teve conseqüências sobre a interpretação da lei específica do inquilinato para grande parte dos magistrados. Hoje, o prazo médio da retomada é de 14 meses. Mas pergunto aos meus leitores se lhes parece bom investimento construir imóveis que podem perder valor ou por risco político, macroeconômico, ou mesmo por risco jurídico?

A resposta dos construtores brasileiros foi uma espécie de “não”, limitando a oferta desse tipo de unidades habitacionais. O limite de oferta fez com que o preço do aluguel dos imóveis disponíveis subisse, excluindo mais gente do mercado. O mercado não se limitou a regulação por preço, mas foi desenvolvida uma exigência super rigorosa com respeito à apresentação de fiador com patrimônio polpudo para garantir o pagamento do aluguel, deixando mais pessoas ainda a margem. No entanto, a demanda por moradia não deixou de existir e a forma de suprir essa demanda foi a ocupação de territórios sem regulamentação do poder público, onde o direito de propriedade era garantido pela lei do mais forte, criando espaço para o poder paralelo que garantia o funcionamento do mercado paralelo de habitação, ou seja, o crescimento da favelização.

Hoje, o Brasil vive momento distinto, onde o país parece ter finalmente encontrado um equilíbrio político-macroeconômico sustentável e previsível. O que nos falta é criar um conjunto de regras do jogo que atraia o investimento privado para disponibilizar as unidades habitacionais das quais carecemos tanto. Aproveito o ensejo para congratular nosso Senado pela aprovação das mudanças na lei do inquilinato que caminham nessa direção e para convidar os setores da sociedade a investirem em amplo debate nas regras que determinarão a cara da moradia da maioria dos brasileiros.

*Igor Barenboim é Ph.D. em Economia pela Universidade de Harvard (EUA) e Subsecretário Municipal de Administração da Prefeitura do Rio

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